segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

A Morte Devagar

Martha Medeiros
Morre lentamente quem não troca de idéias, não troca de discurso, evita as próprias contradições.
Morre lentamente quem vira escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova, não dá papo para quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos não podem comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens que traz informação e entretenimento, mas que não deveria, mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo. Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio. Pode ser depressão, que é doença séria e requer ajuda profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda, e na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino: então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da população.
Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.
Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima de verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia. Já que não podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar.
Sobre o(a) autor(a):Martha Medeiros nasceu em Porto Alegre em 1961. Formada em Publicidade. Escreveu livros de poesias e de crônicas, seu mais recente lançamento é o livro de ficção: Divã. Martha é cronista do jornal Zero Hora.
(Texto coletado do site do programa provocações, exibido pela TV Cultura http://www.tvcultura.com.br/provocacoes/poesia.asp?poesiaid=11)


A primeira vez que li este texto achei-o uma excelente reflexão e fiquei surpresa quando vi a assinatura do poeta chileno Pablo Neruda. Como uma boa curiosa, pesquisei em vários sites o livro em que fora publicado e me espantei quando vi a confusão de autoria do texto que versava entre Neruda e Martha Medeiros: cronista e poeta gaúcha. Isso me fez lembrar os vários textos que circulam via e-mail com autoria de renomados nomes da literatura e na verdade pertencem a outros autores. Encontrei uma reportagem na revista Época nº 234 do dia 11 de novembro de 2002 que tem como discussão a questão de autorias de alguns textos que circularam e/ou circulam na Internet. Reproduzo o texto integralmente.


Assinaturas conflitantes
Textos erroneamente atribuídos a escritores famosos circulam pela internet, causando constrangimentos e mal-entendidos
Martha Mendonça, do Rio
Numa crítica à intenção do presidente George W. Bush de invadir o Iraque, a cantora e militante do Partido Democrata Barbra Streisand fez um discurso em Washington do qual teve de se retratar. Ela citou um texto, que atribuiu ao dramaturgo inglês William Shakespeare, sobre os equívocos de um líder incapaz de 'mensurar o direito dos cidadãos'. Acontece que Shakespeare jamais escreveu tais palavras. No dia seguinte, diante da polêmica nos jornais, a cantora se desculpou: ela havia lido o trecho na internet e acreditara que fazia parte da peça Júlio César.
Não seria justo crucificá-la. Todos os dias circulam em sites e e-mails textos atribuídos erroneamente - de propósito ou não - a autores famosos. Entre os escritores brasileiros, o cineasta e colunista Arnaldo Jabor já se acostumou à contrafação. Com freqüência, é dele a falsa assinatura de textos agressivos que correm pela rede ofendendo celebridades. O último alvo foi a apresentadora Adriane Galisteu. O ex-big brother Kleber Bam Bam também teria sido criticado por Jabor. Tudo invenção. 'Procuram imitar meu estilo, mas são maniqueístas', diz Jabor, que usa suas colunas - publicadas pelos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo - para desmentir as lorotas. Luis Fernando Verissimo é outra vítima dos piratas da internet. 'Fiquei mal com os goianos depois que um texto com meu nome circulou por aí criticando a música sertaneja e tudo o que vinha de Goiás. Houve outro, sobre dor de barriga, escatológico mas inofensivo', diz.
'Os falsários tentam imitar meu estilo de texto, mas são tão maniqueístas que os que me conhecem bem sabem que não fui eu que escrevi'
ARNALDO JABOR, cronista e cineasta
Lisette Guerra/Ed. Globo
A escritora e poeta gaúcha Martha Medeiros sofre com outro tipo de equívoco. Muitos textos seus têm saído na internet com a assinatura de importantes nomes da literatura. Sua crônica 'Felicidade Realista' foi atribuída a Mario Quintana. Só quem não conhece o estilo do falecido poeta acredita na farsa, pois o texto traz termos atuais, como 'corpos sarados' e 'spa cinco-estrelas'. Outra crônica de Martha, 'A Morte Devagar', ganhou a rubrica do chileno Pablo Neruda. 'Poderia ficar lisonjeada, mas é um absurdo', diz ela.
Algumas histórias já se tornaram clássicas. Há dois anos, uma enxurrada de e-mails se alastrou pela América Latina dando conta de um adeus do escritor colombiano Gabriel García Márquez. Sofrendo de câncer, o autor de Cem Anos de Solidão despedia-se da vida enumerando as últimas máximas sobre a existência humana. Muita gente chorou. Mas Gabo, Nobel de Literatura de 1982, está vivinho da silva até hoje - apesar do câncer. Chegou a convocar a imprensa para negar a autoria. 'O que pode me matar não é o câncer, mas a vergonha de que alguém acredite que eu escrevi algo tão cafona.'
Alguns textos, como o atribuído a García Márquez, são crueldade pura, como os boatos e fofocas convencionais. Outros seguem a linha de auto-ajuda. Com isso, passam de mão em mão - ou de tela em tela - rapidamente. Recentemente, um e-mail supostamente escrito pela atriz Patrícia Pillar informava que ela fora vítima de um erro de diagnóstico - e descobriu o câncer de mama tardiamente. O e-mail, na verdade, era um texto truncado de outra vítima da doença, que escrevera comentários sobre uma entrevista de Patrícia.

'Já recebi muito elogio por textos que jamais escrevi. Não podemos fazer muita coisa contra isso. Por que os autores não assinam logo o que escrevem? Talvez ficassem famosos'
LUIS FERNANDO VERISSIMO, cronista, cartunista e escritor
Publius Vergilius/Ed. Globo
Autores anônimos assinam seus textos com nomes famosos para dar peso e credibilidade à divulgação. A quantidade de informação que circula na rede é gigantesca - e o aval de uma celebridade é garantia de leitura. Segundo o Departamento de Energia dos Estados Unidos, que tem técnicos especializados em estudar a boataria na internet (em especial assuntos sobre vírus), se cada pessoa repassar um e-mail falso a dez outras, em questão de minutos pode-se chegar a 1 milhão de trotes na rede. E a internet - todo mundo sabe - é terra de ninguém.
Citações fraudulentas não são criação da rede mundial, porém. A rainha degolada Maria Antonieta, como se sabe, jamais disse 'Se não têm pão comam brioches', frase atribuída a ela pela tradição oral, mas, na verdade, proferida por um nobre francês cuja identidade se apagou na História. Autor da crônica 'Ter ou Não Ter Namorado', o senador Artur da Távola não consegue se livrar do fantasma de Carlos Drummond de Andrade rondando um texto seu, famoso entre as adolescentes dos anos 80. A crônica em questão foi misteriosamente publicada em jornal como uma relíquia deixada por Drummond. Távola fez o desmentido, mas o erro estava eternizado. Há dois anos, no Dia dos Namorados, a crônica foi lida num programa de rádio, de novo atribuído a Drummond. Távola voltou a reclamar. É só chegar mais um Dia dos Namorados para o engano se repetir. O incidente, claro, foi parar na internet. No site da Universidade Federal do Espírito Santo, 'Ter ou Não Ter Namorado' tem a grife de Drummond, e ponto final. 'Resta dizer que, se fosse o contrário, a heresia seria muito maior', diz Távola, zombando da própria modéstia.
AS FALSAS CITAÇÕES NA REDE
Lorotas espalhadas em sites e e-mails:
'Não ligue a TV no domingo; não entre em carros com adesivos 'Fui ...' Se te oferecerem um CD, procure saber se o suspeito foi ao programa da Hebe ou se apareceu no Gugu (...) Diga não às drogas.'
Atribuído a: Luis Fernando Verissimo, escritor
Autor: desconhecido
'Outro dia, a Adriane Galisteu deu uma entrevista dizendo que os homens não querem namorar as mulheres que são símbolos sexuais. É isto mesmo! Quem ousa namorar a Feiticeira ou a Tiazinha? As mulheres não são mais para amar; nem para comer. São para 'ver'. Que nos prometem elas, com suas formas perfeitas por anabolizantes e silicones?'
Atribuído a: Arnaldo Jabor, cineasta e jornalista
Autor: desconhecido
'Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo (...) Não tem namorado quem não sabe o gosto de chuva, cinema na sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho.'
Atribuído a: Carlos Drummond de Andrade, poeta
Autor: Artur da Távola, escritor
'Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis...'
Atribuído a: Mario Quintana, poeta
Autora: Martha Medeiros, escritora
'Pessoas felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos.' Atribuído a: Clarice Lispector, escritora Autor: desconhecido
'Aproveite todos os momentos que você tem. E aproveite-os mais, se você tiver alguém com quem compartilhar (...) Lembre-se que o tempo não espera nada nem ninguém.'
Atribuído a: Henfil, cartunista
Autor: desconhecido
'São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, finalmente, não poderão servir muito porque, quando me olharem dentro deste arquivo, infelizmente estarei morrendo.' Atribuído a: Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura, supostamente à beira da morte Autor: desconhecido
Fonte: Revista Época, nº 234, 11/11/02.

2 comentários:

Sneaksleep disse...

Muito obrigada pela explicacao. Yo tinha citado a Neruda no meu blog--agora vou cambia-lo.

Anônimo disse...

Muito oportuno a sua explicação. Muito obrigado Alessandra!