quarta-feira, 1 de abril de 2009

84 anos de Rubem Fonseca: "o criador mais original de uma literatura rica em criadores originais"


Ao ler os contos de Rubem Fonseca, o leitor fica intrigado com a capacidade que ele possui em revelar a crueldade humana através da linguagem. A partir de contos que retratam a violência humana somos levados a refletir sobre os labirintos da perversidade delineados por este grande escritor. A sociedade produz a violência, ou o homem é violento por natureza... essas e outras questões podem ser refletidas ao longo de contos como: "O cobrador", "Passeio noturno - parte I", "Feliz Ano Novo", entre outros...

Hoje, 01 de abril, fiquei imensamente feliz ao ler uma coluna do jornal The New York Times assinada por Tomás Eloy Martínez e traduzida por Luiz Roberto Mendes Gonçalves sobre "o misterioso escritor que conhece os segredos do inferno".


Eis algumas passagens de seu texto:


Fonseca move-se "em um limbo onde não havia consciência política nem desolação moral, mas a pura e simples condição humana entregue a suas incredulidades e a sua desolação sem esperança."


"Seus personagens habitavam - e lá estão ainda - um mundo anterior a Deus, ou no qual Deus é desnecessário. Não há pecado, não há culpa, não há nada senão um mal incessante, sem consciência. Se o mal é uma ocupação, um trabalho, uma distração, uma pequena chama que arde porque sim no deserto da vida cotidiana, então qual é a transcendência do mal? Fonseca instala o medo no interior da linguagem, cada uma de suas palavras é como uma nota musical arrancada da sinfonia do mal. Muito poucos conseguiram, como ele, criar um personagem com apenas dois ou três traços, urdir tramas das quais nunca se veem as costuras."


"Quando o Cobrador de seu livro "O Cobrador" diz: "Digo, dentro de minha cabeça e às vezes para fora, todos têm de me pagar! Me devem comida, vaginas, cobertores, sapatos, casa, carro, relógio, dentes: me devem tudo", sua vida inteira cabe nessas linhas. O Cobrador supõe que algum outro está vivendo sua vida por aí sem que ele saiba. Se quiser recuperar o perdido, terá de fazê-lo passo a passo. Não se deve desperdiçar o ódio, repete.

Nessa ideia parece estar a chave do brevíssimo relato intitulado "Passeio noturno, parte 1". É a misteriosa história de um pai de família, piedoso e bom burguês, que sai todas as noites em seu carro em busca de transeuntes solitários. Escolhe ruas desertas, dirige com cuidado, estuda a velocidade e o peso dos caminhantes inadvertidos, olha para um lado e outro e, de repente, investe contra a vítima: um golpe seco, certeiro, devastador. Nunca falha. Volta para casa, janta com a família, reza, se deita. E assim dia após dia, como quem vai ao escritório. "


"Que tipo de sujeito será o que imaginou isso?, me perguntei."


"Nenhum escritor é mais cinematográfico que Fonseca. As transições de uma cena para outra são feitas sem dar explicações, de maneira natural. Além de policial, foi crítico de cinema e advogado penal. Litigou para salvar da injustiça mulatos sem dinheiro e sem dentes. Isso, no entanto, explica só em parte sua capacidade para penetrar as dobras da vida marginal e tirar dali uma linguagem cujo sentido vai sempre além do que se diz."


"Depois daquele primeiro conto, me dediquei com afã a ler tudo o que Fonseca escreveu, sem jamais me decepcionar. Em 1993, quando lhe deram o Prêmio Juan Rulfo no México, na Feira do Livro de Guadalajara, e mesmo antes, quando foi a Lisboa receber o Prêmio Camões, os que conseguiram falar com ele me repetiam: "Você precisa conhecê-lo". Não quis, porque para apanhar um autor fugitivo não há melhor lugar que seus livros."


[...]


"Os personagens de Fonseca sabem sempre por que fazem o que fazem. Só o leitor fica de fora, pasmo, não porque o texto deixe algo sem explicar ou porque a claridade tenha desaparecido no caminho, mas porque a violência cruza todos os limites e se põe longe de seu alcance. É uma violência tão excessiva que abarca tudo, mas não se vê.Respiramos sua atmosfera tóxica e não percebemos."


A todos os apaixonados pela literatura de Rubem Fonseca: continuem mergulhados nas teias de suas tramas...

O pulso ainda pulsa

Retornando ao blog... "O pulso ainda pulsa"

O Pulso
Titãs
Composição: Arnaldo Antunes

O pulso ainda pulsa
O pulso ainda pulsa...

Peste bubônica
Câncer, pneumonia
Raiva, rubéola
Tuberculose e anemia
Rancor, cisticircose
Caxumba, difteria
Encefalite, faringite
Gripe e leucemia...

E o pulso ainda pulsa
E o pulso ainda pulsa

Hepatite, escarlatina
Estupidez, paralisia
Toxoplasmose, sarampo
Esquizofrenia
Úlcera, trombose
Coqueluche, hipocondria
Sífilis, ciúmes
Asma, cleptomania...

E o corpo ainda é pouco
E o corpo ainda é pouco

Assim...

Reumatismo, raquitismo
Cistite, disritmia
Hérnia, pediculose
Tétano, hipocrisia
Brucelose, febre tifóide
Arteriosclerose, miopia
Catapora, culpa, cárie
Câimba, lepra, afasia...

O pulso ainda pulsa
E o corpo ainda é pouco
Ainda pulsa
Ainda é pouco
Pulso (4x)
Assim...